quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Meu Lenitivo


S. Rafael Arcanjo


Meu Jesus, que dor... A dor do recomeço. Senhor, tudo que fiz – o falar, o ir, o viajar, o chorar sozinha algumas noites... – Terá sido tudo em vão? Meu Jesus, eu queria ter sido mais forte, mais corajosa, mais e mais... Só que eu apenas olhei para mim, me frustrei, vi minha miséria e meu estado me impedia de olhar para o Vosso Coração. Senhor, tenho marcas... E Elas doem! Como doem! Senhor, reconheço a minha fraqueza. E o meu orgulho. Perdão. Eu não tive coragem de colocar os dois pés nesse futuro... que teria sido grandioso se eu tivesse Lhe dado as mãos. Jesus, não me ignoreis... Busco consolo e suas criaturas são incapazes de fazer isso. Somente o Senhor tem o lenitivo para a minha doença. Cura-me, Senhor, desse meu estado deplorável. Não quero fingir constantemente que estou bem. Preciso de ajuda, ouça o meu clamor!

quinta-feira, 13 de junho de 2019

Homenagem Póstuma

Hoje minha aluna faleceu. Até agora não caiu a ficha que foi ela quem foi morar no Céu. Perguntei à amiga: "Quem é Maria?". Não me respondeu, mas depois me lembrei: era a Maria, a Maria Eduarda, minha aluna atenciosa e prestativa em todas as aulas, em todos os momentos da vida. Sempre que eu precisava me retirar de sala pedia: "Maria, olha minhas coisas" e com um sorriso consentia.
Foi ela quem me deu conselhos quando a minha mente me definhava nos próprios pensamentos. Foi a ela que eu disse que a mesma "era uma preciosidade", quando foi ela quem teve pensamentos ruins.
Trocávamos conselhos... Ah! Que saudade você fará, Maria! Rezarei para que Deus a receba no Paraíso e por favor, rogue por mim aí do Céu!...
Do seu sorriso é que eu quero sempre me lembrar. Obrigada por ter me ensinado tanto!



Maria Eduarda Neiva Mendoza 

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Onde meus alunos se perderam?


Cena do filme "Obaba", Montxo Armendáriz, 2005.


Quarta-feira, 22 de maio de 2019. Dia nublado em uma cidade constantemente solar. Faço o meu caminho de todos os dias até chegar à escola. Estou ansiosa pelo dia letivo que se inicia. Passo pelas turmas, uma após a outra. Primeiro, segundo e terceiro tempo. Recreio? Estou junto aos professores mas com o coração naquela turma. A minha turma. Sino tocou e mencionou que era hora de voltarmos à sala. Estou feliz, tenho muitos planos para a classe. A minha classe. Cumprimento-os carinhosamente e adianto que teremos uma longa manhã, afinal, pegarei a aula de um professor que precisou se ausentar. 

- "Oba! Terei a oportunidade de apresentar novos conteúdos". Pensei.

Escrevo na lousa "Nazismo". Há tanto o que se falar sobre esse assunto... Pretendo iniciar a explicação através de Anne Frank. Que menina amável! 

- "O Nazis...". - Começo.

- "Professora, fulano está me batendo!". - Alguém grita.

- "O nazismo aconte...".  - Tento continuar.

- "Sôra, ciclano saiu sem avisar". 

- "Crianças, parem!". Peço.

Sem aproveitamento. Resolvo explicar o trabalho que farão, talvez assim, eles resolvam prestar atenção. Não adianta. Eles não silenciam. Grito. Eles gritam mais ainda. Estou cansada. Alguns me ajudar a pedir silêncio. Não dá. Sinto bate, troca de professor. Coordenadora na porta: "libera os alunos". Acabou minha aula. 

- "Tragam as cartolinas". Eu falei. Foi a única coisa que consegui falar.

Foram embora. Apagando o quadro, alguns me abraçam "professora, não vou fazer mais isso", "não fica triste", dizem. Seguro as lágrimas e me pergunto: quem fez eles se perderem?

domingo, 31 de março de 2019

NOTA PÚBLICA E ETERNA



Querido Anthônio, hoje tornei-me diante de Deus, sua mãe espiritual. Desejo e quero de todo coração lhe ensinar a  seguir os caminhos divinos. Você estará sempre em minhas orações. Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e Santo Antônio intercedam por sua fidelidade a Nosso Senhor. Amo você!

sábado, 29 de dezembro de 2018

Melindres do coleguismo

Tinha me dito que eu poderia o que quiser, que éramos amigos e que entenderia qualquer opinião adversa. Dei por diversas vezes os mesmos conselhos e recebendo como respostas áudios alcoólicos e fundo musical profano. Decidi aguentar essa situação por algumas vezes até que resolvendo dar um chacoalhão nele, me calei. Passados alguns dias, perguntou o que tinha acontecido. Falei com toda a sinceridade o que tinha se passado. Ele sumiu.

sábado, 22 de dezembro de 2018

Eva III

A tartaruga

Gosto do meu silêncio. Não daqueles que as circunstâncias me dão, mas daquele que eu escolho. Como me faz bem chegar em casa após um dia de estágio em uma sala de 30 alunos e me deparar apenas com os meus animais me esperando. Abro com calma as portas, adentro o quarto, observo as folhas da mangueira se balançando e penso o quanto me falta para me tornar uma adulta responsável e feliz. "Essas duas características... serão possíveis juntas?" Fico pensando.  

Um olhar para o relógio basta para que eu me lembre que o almoço está na geladeira. "Talvez uma salada de couve-flor", falo para mim mesma como quem organiza as ideias. Retiro as panelas, ponho-as no fogão enquanto ouço o ruído da comida esquentando. Tudo pronto. 11 horas. Ligo a televisão e percebo pelo jeito de falar do apresentador no telejornal que a vida lá fora está corrida. Assaltos, ausência de saneamento básico, atrasos no ônibus... Uma desolação social. Como viver em um mundo tão dado para a luta? Como eu que sou tão aquém de situações que demandam celeridade pode viver em um local assim? Não sei como... Mas tampouco imagino que em outro lugar possa ter o silêncio que desejo. "Talvez tudo seja resolvido dentro de mim". Talvez.


Eva II

Nos salões


Apareço mais uma vez pelos salões da madrugada tentando não dar ouvidos aos murmúrios internos que dizem "olhe como a vida é triste" ou "perceba mais uma vez a maldade humana". O enredo muda algumas vezes, mas a moral das histórias pensadas são sempre aterrorizantes.

Resolvo dançar noite à fora, mas bata um tropeçar na escrivaninha para me lembrar que tudo é fantasia. Brinco com a cadela, porém, até ela percebe que não é hora disso. "Melhor deixar para depois", ela parece me dizer ao me fitar os olhos.

Ninguém além dos meus delírios resolve dançar comigo, estão todos em seus aposentos após um final de semana intenso. Vou até a porta, abro-a e vejo o céu. Está estrelado e se a sanidade e olhar julgador dos outros não me impedissem, ficaria contando uma a uma as estrelas, pensando em como são, a olho nu, semelhantes e tão individuais para a constelação.

O relógio não me avisa mais acerca do horário. Há algum tempo deixei de me guiar por ele. Sei que pela ordem natural, eu deveria estar sonhado de fato. Ouço uma voz baixinha me falando: "Tente descansar, logo amanhece e tudo passa".

Quero acreditar no que ouço embora a agitação matutina tem me feito ficar perdida e me sentindo uma inútil. "Não pense nisso, amanhã será um bom dia, tudo pode ser diferente". Quero acreditar nisso. Então, pouco a pouco deixo os salões e subo, degrau por degrau, a escada da vontade, procurando o meu local de descanso...